sábado, 2 de abril de 2011

O BRASIL E AS FLORESTAS


Postado by: Sylvia Agnelli




O Brasil é o país das florestas. Com cinco milhões de quilômetros quadrados de cobertura florestal, concentrados na Mata Atlântica e principalmente na Amazônia, o Brasil possui a maior extensão de matas tropicais do planeta. Além de serem vastas, nossas florestas abrigam uma biodiversidade excepcional. Em apenas um hectare de Mata Atlântica é possível encontrar mais de 450 espécies de árvores; um recorde mundial. Nada mais natural que o Brasil seja o único país no mundo cujo nome vem de uma árvore: o pau-brasil (madeira com cor de brasa). Mas isso não quer dizer o brasileiro seja um amante incondicional de suas árvores e florestas. O Brasil é também o país do desflorestamento. A Mata Atlântica foi reduzida a 8% da sua cobertura original e é hoje uma das florestas mais ameaçada do mundo. Na Amazônia, uma área de floresta equivalente a três vezes o tamanho do estado de São Paulo foi convertida em pasto ou plantação nos últimos 40 anos.
Mudanças climáticas, grandes obras de infraestrutura e um projeto de lei que altera o código florestal ameaçam dar novo impulso à destruição das florestas. Herdeiros das maiores e mais diversas matas tropicais do planeta, muitos brasileiros ainda assistem indiferentes ao desaparecimento de seu mais valioso patrimônio natural. Enquanto os esforços para conter o desmatamento se concentram em medidas legais e econômicas, o elemento humano – o indivíduo – e as razões por trás de seu comportamento de derrubar a floresta, protegê-la, ou assistir indiferente à sua destruição, tem sido ignorado nas políticas de conservação e de desenvolvimento.
A maneira como o brasileiro se relaciona com as florestas passou a ser uma preocupação dentro e fora do país a partir de 1988, depois que imagens de satélite revelaram pela primeira vez a magnitude do desmatamento na Amazônia. No mesmo ano, a notícia da morte do seringueiro Chico Mendes contribuiu para colocar de vez a floresta amazônica - e seu algoz, o brasileiro - no centro das atenções da comunidade ambientalista. As autoridades brasileiras reagiram criando áreas protegidas. Desde 1992, foram criadas mais de 80 unidades de conservação na Amazônia. Governo, empresas e sociedade civil buscaram também desenvolver mecanismos econômicos para proteger a floresta. Do incentivo ao extrativismo, manejo florestal e ecoturismo ao pagamento por serviços ecológicos e a grande aposta atual no REDD, a lógica por trás desses mecanismos financeiros e de mercado é agregar valor monetário à floresta, fazendo com que ela valha mais em pé do que derrubada.
Porém, a visão de que a raíz dos problemas ambientais está, em última análise, no comportamento humano, e a crescente evidência de que o comportamento humano não é determinado apenas por fatores contextuais tais como as leis e o dinheiro, mas também por fatores individuais, sugerem que a proteção das florestas tem que levar em conta também as dimensões humanas da relação homem-floresta. Precisamos entender o que o brasileiro pensa e sente em relação às florestas se quisermos mudar de forma duradoura seu comportamento acerca delas. O comportamento humano, porém, é um fenômeno complexo e deve ser examinado em diferentes níveis.

Como entender a relação:
Em seu nível mais fundamental e universal, nossa resposta comportamental ao ambiente foi moldada pela evolução. Cada espécie de animal tem seu ambiente preferido, onde suas adaptações lhe permitem prosperar. De acordo com a Hipótese da Savana, nossos ancestrais que viveram nas planícies da África teriam desenvolvido uma preferência inata por paisagens abertas e com árvores esparsas, onde era mais fácil coletar vegetais e avistar e seguir os bandos de ungulados de grande porte que lhes serviam de caça. Essa preferência ainda estaria presente no homem moderno e evidências disso vão desde a prevalência desse tipo de paisagem em pinturas clássicas e parques urbanos até o resultado dos testes em que pessoas de diversas partes do mundo escolheram a paisagem mais atraente entre fotos de savanas com árvores, campos limpos e florestas fechadas. Segundo essa visão, somos animais da savana.
Não somos uma espécie florestal. Claro que alguns povos se estabeleceram em ambientes florestais, mas usando a floresta apenas como fonte de alimento e de outros recursos, preferindo construir suas moradias e fazer suas refeições e rituais em terreiros a céu aberto, como faz a maioria dos índios brasileiros. São poucos os povos que vivem permanentemente debaixo do dossel fechado da floresta e, como mostra Jared Diamond em Armas, Germes e Aço, o estilo de vida coletor-caçador dos legítimos povos da floresta os condena a uma dieta pobre em energia e, em última análise, a viver em grupos pequenos e incapazes de se desenvolver tecnologicamente (a floresta é incompatível com as duas invenções que levaram ao surgimento das civilizações: agricultura e criação de animais domésticos). Haveria, portanto, um fundamento biológico para o comportamento humano de evitar a floresta, e esse impulso ancestral talvez fosse a base para nossa relação predatória com ela.
Por outro lado, a Hipótese da Biofilia propõe que a evolução teria selecionado no ser humano um sentimento inato de afinidade com o mundo vivo. Esse sentimento teria estimulado nossos ancestrais a entender os riscos e oportunidades em seu ambiente e, desse modo, contribuído para sua sobrevivência. A quinta-essência da diversidade e sofisticação no mundo vivo é encontrada na floresta tropical e, portanto, esse tipo de ambiente exerceria sobre nós uma atração instintiva especial.
A maioria dos pesquisadores concorda, no entanto, que a maior parte da variação no comportamento humano é resultado do que aprendemos. São nossos conhecimentos e crenças que determinam mais diretamente as nossas ações. Povos indígenas e populações tradicionais acumularam através dos tempos um profundo conhecimento sobre os recursos naturais das florestas onde vivem que lhes permite tirar sustento da floresta sem derrubá-la. Eles têm sido o principal alvo de estudos antropológicos sobre a relação homem-floresta. No entanto, os atores mais diretamente relacionados com o desmatamento no Brasil têm sido os migrantes na fronteira agrícola da Amazônia. São na maioria produtores rurais oriundos de regiões onde há muito não existem florestas. Eles precisam de renda, mas têm pouco conhecimento sobre como utilizar os recursos que a floresta oferece. Acreditam que a única maneira pela qual podem ganhar a vida é criando gado.
Diferente do que acontece com as populações tradicionais, a produção na fronteira agrícola da Amazônia está vinculada aos mercados. A demanda por soja, carne e madeira acelera a destruição da floresta. São portanto os consumidores que, em última análise, empurram adiante a fronteira do desmatamento. O consumidor brasileiro sabe pouco sobre a floresta amazônica e seus problemas socioambientais. A maioria dos brasileiros mora em cidades fora da Amazônia, desconhece a origem dos produtos que consome, e acredita que a Amazônia não passa de um lugar distante sobre o qual não tem nenhum impacto ou responsabilidade.
Nossas ações não são guiadas somente pela racionalidade dos conhecimentos e crenças. Somos movidos também pela emoção. Medo, raiva e amor são exemplos de sentimentos que influenciam nossa relação com o mundo natural. O medo de cobras, aranhas e outros animais da floresta explica, em parte, a falta de árvores nas proximidades de habitações humanas. Por outro lado, é por gostarmos de animais, plantas e paisagens naturais que conservamos as florestas. Parques Nacionais, que formam as maiores extensões de florestas protegidas na Amazônia, são criados levando em conta, entre outros critérios, a beleza cênica, e apreciação estética é um fenômeno afetivo. A falta de emoção, por sua vez, resulta em indiferença.
Andrew Balmford diz que “o mais deprimente problema de conservação não é a destruição do habitat ou a extração predatória, mas a indiferença humana diante desses problemas”. Sem vínculos afetivos com a floresta, o brasileiro médio não se importa que hidrelétricas e asfaltamento de rodovias possam impulsionar novamente o desmatamento na Amazônia, que a madeira que compra não seja certificada, ou que suas emissões de carbono, mesmo feitas à distância, possam contribuir com a sequência de eventos que culmina na savanização de parte da floresta amazônica.
Por fim, nosso comportamento depende também do contexto social e cultural no qual estamos inseridos. Tendemos a fazer aquilo que acreditamos que “os outros” estão fazendo, principalmente se entre os outros estiverem membros influentes e respeitados da comunidade. O produtor rural conclui que “se todo mundo desmata, então desmatar é o certo, e eu também vou desmatar”. Além disso, fazemos aquilo que julgamos ser socialmente desejável e nos abstemos de fazer aquilo que nos parece socialmente reprovável. Proprietários rurais da Costa Rica que reservaram parte de suas terras como áreas protegidas informaram que sua principal motivação para proteger a floresta não era de ordem legal ou econômica, mas social: eles acreditavam que a iniciativa politicamente correta lhes traria prestígio! À medida que a sociedade brasileira se torna mais ambientalmente consciente, o reconhecimento daqueles que participam do esforço organizado para preservar recursos biológicos ameaçados cresce de forma considerável, especialmente quando se trata de um lugar mundialmente conhecida como a Amazônia.

A modernização da nossa sociedade é acompanhada também por uma mudança de valores em relação à natureza – de valores predominantemente utilitários para valores mutualísticos – de modo que as florestas ganham importância como recurso turístico ou simplesmente por seu valor intrínsico. A floresta vista pejorativamente como “mato” ganha a imagem de um lugar importante, atraente, que merece ser visitado e cuidado. Na sociedade pós-industrial, o horizonte ético é expandido e considerações morais se aplicam cada vez mais à maneira como nos comportamos diante das florestas também: explorá-las de forma insustentável se torna algo imoral.

Como melhorar a relação:
Em suma, o comportamento humano em relação às florestas é influenciado por fatores genéticos, pessoais, sociais e culturais. Embora essa influência seja eventualmente fraca e nem sempre decisiva, ela não deveria ser ignorada nem ofuscada pelo poder das imposições legais e econômicas. Em vista da dificuldade de se fazer cumprir a lei nas regiões mais remotas do país, e da limitação das abordagens econômicas para tornar a floresta mais rentável em pé do que derrubada, as estratégias para a conservação das florestas no Brasil deveriam incluir ainda as dimensões humanas da relação entre o brasileiro e as florestas.

Devemos examinar em que casos é possível e pertinente influenciar os fatores pessoais, sociais e culturais, e mobilizá-los de modo a complementar e amplificar os efeitos dos fatores legais e materiais. Os fatores pessoais - conhecimentos, crenças, sentimentos e habilidades - que moldam a maneira como tratamos as florestas podem ser influenciados por intervenções de educação e comunicação. O contexto social que incentiva o brasileiro - agricultor, empresário ou político - a destruir a floresta ou protegê-la, pode ser devidamente mudado por ferramentas de marketing social; por meio de ‘modelos’ (membros influentes da comunidade que dão o bom exemplo a ser imitado); pela comunicação feita através de instituições locais respeitadas e redes sociais informais, de modo que as mensagens conservacionistas sejam disseminadas ‘horizontalmente’ e não de cima para baixo; pela recompensa social, incluindo premiações (incentivo positivo em lugar de negativo); e pelo envolvimento comunitário, com planejamento e manejo participativos.

O futuro sustentável das florestas vai exigir, no entanto, a adoção de um novo paradigma cultural no qual as motivações para a conservação não sejam apenas legais, econômicas e ecológicas, mas também afetivas, estéticas, culturais, espirituais e éticas. Esse novo paradigma ainda deverá ser devidamente desenvolvido e aplicado e, portanto, dependerá da disposição das próximas gerações em mudar a maneira como se relacionam com a floresta. Precisamos incluir as crianças e jovens brasileiros nesse esforço, e desenvolver abordagens efetivas para transformá-los em cidadãos que se relacionam de forma responsável com as florestas. Iniciativas com esse objetivo já existem.

Um exemplo deles é a Escola da Amazônia, que há 8 anos vem trazendo para as escolas de Alta Floresta, na fronteira de desmatamento, a temática da conservação das floresta, usando duas espécies excepcionalmente carismáticas da região – o macaca-aranha-da-cara-branca e a onça-pintada – para capturar a atenção e a curiosidade de alunos e educadores, criando e fortalecendo o vínculo afetivo das crianças com a floresta, despertando nos jovens o interesse por alternativas econômicas mais sustentáveis que a pecuária, e levando jovens dos grandes centros urbanos para conhecer de perto a realidade da região. Leis e dinheiro sozinhos podem trazer benefícios imediatos para as florestas, mas a longo prazo as perspectivas são melhores se abordagens focadas no indivíduo, incluindo o jovem e a criança, forem também incorporadas. É assim que teremos mais chance de que o Brasil continue sendo, por muito tempo, o país das florestas.

Fonte:Silvio Marchini

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